Carboidratos: não apenas energia


O impacto real dos diferentes tipos de carboidrato no humor, foco e sono de crianças e adolescentes

Durante muito tempo, carboidrato virou vilão da alimentação — como se fosse só açúcar, e pronto. Mas não é bem assim. Na verdade, os carboidratos são a principal fonte de energia do corpo e, especialmente na infância e adolescência, são essenciais para manter o organismo funcionando como deve. O problema está na escolha: nem todo carboidrato é igual, e entender isso pode mudar o comportamento, o desempenho escolar e até a qualidade do sono dos nossos filhos.

Os chamados carboidratos simples, presentes em doces, refrigerantes, pães brancos e ultraprocessados, são absorvidos rapidamente pelo organismo. Isso faz com que a glicose entre no sangue de uma vez só, causando picos de energia seguidos de quedas bruscas. O resultado? Crianças irritadas, cansadas, desconcentradas — e com fome de novo em pouco tempo. Já os carboidratos complexos, como arroz integral, aveia, feijão, batata-doce e legumes, têm absorção mais lenta. Eles vão liberando energia aos poucos, ajudando o corpo a manter o ritmo, sem sobressaltos.

Essa diferença afeta diretamente o comportamento. Uma criança que consome mais carboidratos simples pode ter mais dificuldade para se concentrar nas aulas, sentir sono depois do recreio ou ficar mais inquieta no fim do dia. Isso não é só coisa de criança: é o corpo tentando lidar com uma montanha-russa de açúcar no sangue. Por outro lado, uma alimentação rica em carboidratos complexos tende a manter o humor mais estável e a disposição mais equilibrada.

A nutricionista Priscila Pilon, da Escola do Futuro Brasil, reforça: “Muitos pais acham que o filho é agitado por natureza, mas muitas vezes o comportamento está diretamente ligado ao que ele come. O excesso de carboidratos simples, especialmente no café da manhã e lanche escolar, pode causar oscilações de energia que atrapalham o foco e geram instabilidade emocional”. Entender o tipo de combustível que o corpo está recebendo é o primeiro passo para promover um bem-estar duradouro.

Carboidratos e saúde mental: como a alimentação afeta o humor e a estabilidade emocional

O que a criança come influencia mais do que a energia física. Influencia também a forma como ela sente, reage e se expressa. E, nesse processo, os carboidratos têm um papel central. Quando a ingestão é equilibrada — especialmente de carboidratos complexos —, o corpo consegue produzir mais triptofano, um aminoácido que dá origem à serotonina, o famoso “hormônio do bem-estar”. Essa substância age diretamente no cérebro, regulando o humor, a ansiedade e até a impulsividade.

Acontece que, para o triptofano ser bem aproveitado, ele precisa de uma ajudinha: a presença de carboidratos no sangue. Mas não é qualquer carboidrato. Os de absorção lenta mantêm os níveis de glicose mais estáveis, o que facilita a entrada do triptofano no cérebro e, consequentemente, a produção de serotonina. Já os picos provocados pelos carboidratos simples causam o efeito oposto — geram instabilidade emocional e, em alguns casos, aumentam a irritabilidade.

Nos adolescentes, esse impacto pode ser ainda mais sensível. É uma fase de intensas mudanças hormonais, sociais e psicológicas. O humor oscila naturalmente, e a alimentação pode tanto ajudar quanto atrapalhar. Um jovem que começa o dia com um café da manhã cheio de açúcar (bolacha, achocolatado, pão branco com geleia) provavelmente terá mais dificuldade para manter a calma e o foco ao longo da manhã.

Priscila Pilon observa que “o humor e o comportamento são reflexos diretos da estabilidade metabólica. Quando a criança ou adolescente vive em ciclos de hiperglicemia e hipoglicemia, isso afeta a forma como ela reage aos estímulos do ambiente. Há mais explosões de raiva, choro sem motivo, dificuldade de ouvir e responder de forma adequada”. Um prato equilibrado pode ser o melhor aliado do equilíbrio emocional.

Energia para o cérebro: por que o foco e a concentração dependem dos bons carboidratos

A glicose, principal produto da digestão dos carboidratos, é o combustível do cérebro. Só que, para funcionar bem, o cérebro precisa de um fornecimento constante — nem de menos, nem de mais. Quando os níveis estão equilibrados, a criança consegue manter a atenção por mais tempo, responder melhor às atividades cognitivas e ter mais clareza para resolver problemas. Quando há desequilíbrio, o rendimento escolar sofre.

Crianças e adolescentes que consomem mais alimentos integrais, frutas, tubérculos e leguminosas demonstram mais constância no aprendizado. A explicação é simples: o fluxo constante de glicose permite que os neurônios mantenham sua atividade sem sobrecarga. Isso significa mais memória, mais capacidade de concentração e menos fadiga mental. Ao contrário, uma alimentação rica em açúcar provoca um pico de energia que pode até parecer benéfico no início da aula — mas logo depois vem a queda, e com ela, a desatenção.

É comum em escolas perceber que alunos com dificuldades de atenção muitas vezes fazem refeições desbalanceadas. Um lanche com bolacha recheada e suco de caixinha, por exemplo, oferece pouca saciedade e quase nenhuma qualidade nutricional. “Essas escolhas viram hábito, e o corpo vai se acostumando com o estímulo rápido. O problema é que isso forma um padrão de oscilação que prejudica o desenvolvimento intelectual. Os bons carboidratos dão uma base mais sólida para o aprendizado”, explica Priscila.

Mais do que controlar o peso ou oferecer “energia”, os carboidratos certos ajudam a formar cérebros mais atentos, criativos e persistentes. Isso é especialmente relevante nos anos escolares, quando o desempenho começa a impactar autoestima e motivação. Comer bem pode ser um dos maiores diferenciais para o sucesso de uma criança ou jovem.

Sono e descanso profundo: como os carboidratos influenciam a produção de melatonina

Muita gente não faz ideia de que aquilo que a criança come ao longo do dia tem influência direta no sono da noite. E, de novo, os carboidratos estão no centro dessa equação. A produção de melatonina, hormônio responsável por regular o ciclo do sono, depende do triptofano — que, como vimos, precisa de carboidrato para ser absorvido com eficiência. Ou seja, sem carboidrato de qualidade, a noite pode ser mais agitada, o sono mais leve e o descanso, insuficiente.

E não é só uma questão de dormir cedo. Dormir bem significa entrar em ciclos profundos de sono, nos quais o corpo se recupera e o cérebro consolida o aprendizado. Crianças e adolescentes privados de um bom descanso têm mais dificuldade para aprender, mais instabilidade emocional e menos energia ao longo do dia. Tudo isso vira um ciclo: o mau sono leva à escolha de alimentos mais calóricos e pobres, que por sua vez prejudicam ainda mais o descanso.

Priscila Pilon alerta que “é comum ver adolescentes que reclamam de insônia ou sono leve, e muitas vezes a última refeição do dia foi um sanduíche ultraprocessado ou um pacote de biscoito. Isso não ajuda o corpo a relaxar. O ideal seria uma refeição leve, com carboidrato complexo, como uma sopa com legumes ou um arroz integral com vegetais”.

Uma boa noite de sono começa muito antes de apagar a luz. Começa no café da manhã, segue pelas escolhas do lanche e termina com uma janta bem pensada. Nutrir bem é, também, ensinar a descansar. E isso, mais do que nunca, é essencial para o desenvolvimento saudável da infância à adolescência.

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